Espaço reservado para a publicação do formato literário em epígrafe
[O cronista] não pode ser um reflexo indiferente, um arranjador de notícias que mesmo quando relatam catástrofes têm sempre alguma coisa de impessoal e distante. Há-de afirmar-se em cada palavra que escreva, de tal maneira que à terceira linha se acabaram os segredos e o leitor não temmais remédio que uma destas duas atitudes: ou senta o cronista à sua mesa, como faz aos amigos, ou fecha-lhe a porta na cara, como aos importunos, deixando-o a arranhar desanimadamente a bandurra.
José Saramago (Natalmente crônica)
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Dê uma Trégua ao Natal
(um breve rascunho) Soaroir 9/12/10
Troquei o tênis por uma sandália rasteira que por desusança me faz caminhar mais lentamente “Quinze dias para a Noite de Natal” ouvi enquanto atravessava o farol a caminho de mais um compromisso de factotum. Suando em bicas acabo de chegar do supermercado e diferentemente da falta de umidade do ar, percebi os olhos marejantes de compaixão e bondade das pessoas, como se de repente um dispositivo regulado para ligar somente nesta época fosse ativado. Involuntária reprodução de reação alheia que se espalha e contagia. Chega a ser sinistro a repentina gentileza dos transeuntes que param de dar esbarrões uns nos outros; ajudam os idosos a carregarem seus pesos; jogam as guimbas na lixeira; recolhem o cocô de seu cachorro. Quanta solicitude... Percebi que deixei de ser transparente para os funcionários do meu condomínio. O porteiro até me ajudou com as compras, abriu o portão que normalmente, quando com as mãos ocupadas, preciso empurrar com os pés. Caso pensem que vou cotizar naquela caixinha de final de ano, se enganam. Estou entre aqueles que recompensam o bom atendimento e não o compra.Mas vamos lá. Invoquei a minha alma poética e considerando o Dia Internacional dos Direitos Humanos, a ser comemorado amanhã, 10 de dezembro, comecei por mim, indagando por que permitimos sentir o que o outro desperta em nós. E o que será que despertamos no próximo para mudar de atitude displicente para respeito e consideração somente na aproximação do Natal? Seria medo do castigo de Deus, interesse material ou porque nesta época as pessoas largam seus saltos altos e tênis e andam mais devagar? Aqui neste teclado e de pés no chão me lembro do John “tudo o que estamos dizendo é: dê uma chance a Paz” - mesmo que seja só por trinta e um dias dos 365.
O Sonho
Ela corre pela campina descalça segurando nas mãos das duas belas crianças: um menino e uma menina. A menina tem os cabelos dourados trançados e cuja extremidade está presa por um laçinho que mais parece uma borboleta. À frente deles, mais dois meninos loiros e de bochechas rosadas também corre m seguindo atrás das borboletas coloridas. Ao lado dos dois meninos há um terceiro que se diverte jogando pedras nos pequenos roedores que abundam em determinadas épocas do ano. A campina está forrada com madressilvas que formam um tapete macio de beleza ímpar. Eles seguem pela trilha se distanciando da campina e da mata densa. Então uma trilha íngreme, coberta de cascalhos de pedras miúdas se inclina até as rochas pedregosas onde as ondas se quebram. Ao longe, no horizonte indivisível um navio a vapor desliza jogando grossos rolos de cinza escura na atmosfera. As duas crianças escapam da suas mãos e junto com os outros meninos se atiram no precipício, mas não caem. Elas se transformam em lindas gaivotas brancas e voam ao encontro do navio distante. Lavínia se apóia numa rocha e fica aguardando pacientemente o navio se aproximar. Um bote é jogado ao mar com um homem dentro dele que rema vigorosamente até alcançar a praia. Ele desce do bote e escala agilmente a trilha perigosa coberta de pequenos pedregulhos e alcança o topo da colina onde Lavínia se encontra. Em silêncio ele a observa com seus olhos castanho-claros. Seu cabelo negro esvoaça ao vento e a sua pele morena tostada pelo sol está tatuada com uma grande serpente. Ele se aproxima dela e tenta agarrá-la a força. Ela grita e corre assustada com o homem tentando alcançá-la. É nesse momento que ela acorda e constata assustada que tudo não passou de um sonho.
***
Percorro os campos onde as flores, às vezes, se escondem ou simplesmente se esquecem de brotar. É como as alegrias que se vão por instantes e para sempre se esquecem de voltar. Assim como eu desisti dela e também deixei de amá-la.
Percorro os campos onde os pássaros já não gorjeiam talvez porque se esqueçam de cantar. Assim como eu me esqueci do meu amor apenas por que desisti de esperar. Mas se em vão esperei todo esse tempo mesmo sabendo que jamais ela ia voltar. E o tempo me cobrou cada momento dos dias que sozinho me deixei ficar. Mas o sol se põe muito distante além do que se possa imaginar, e ainda assim seus raios me alcançam para em fim a minha vida iluminar.
Percorro os meus olhos a todo instante tentando encontrá-la. Mas ali não a vejo, e entre as brumas das ondas vou procurá-la.
Percorro os encantos das paisagens renovadas pelas forças da natureza. Forças que se negam coexistir dentro de mim, e frágil deixo enlevar-me pela semântica das palavras as quais escrevo e que em mim florescem a cada instante para, em seguida, se perderem nas entrelinhas da minha tristeza e solidão.
Percorro o mundo em linhas e letras mortas, em vão a procurá-la, com o tempo a cobrar-me a todo instante e dizendo-me para logo despertar. Despertar antes que o sono perpétuo me transcenda o eu vazio de fé e tangenciado no arco teso de cordas elásticas na iminente tensão da tênue linha imaginária entre a lucidez e a demência.
Percorro a trilha de cascalhos soltos no declive abissal da vida fatigada pelos argumentos mudo e exaltados na teimosia das letras cansadas das minhas poesias sem rimas, dos contos infelizes desprovidos de fadas as quais se perderam nos anos e que hoje me conduz ao fim ou simplesmente ao nada.
Percorro a trilha do nada pavimentada no vazio que me enche e me prende em acordes arrítmicos das notas das melodias que embalam os sonhos em canções de ninar. Lugar onde o eco se faz da queda livre do corpo, em um baque surdo, a despedaçar-me em risos loucos e a torturar-me a alma já desprovida de fé. A gritar os apelos sem respostas aos fantasmas lúgubres que dançam seus ritos de morte a afugentar-me o medo. Um medo maior do que eu. O medo de nada encontrar além de mim mesmo ou de reencarnar numa outra dimensão no mesmo corpo, ora descartável, que apodrece e emporcalha a terra mãe. E a mente perturbada e deprimida não é reciclada? Quem conduzirá o corpo zumbi que vagará na terra apavorante dos vivos, que se matam e se destroem?
Percorro...
Ouvem-se os sinais trazidos pelo vento frio e os gemidos entrecortados por soluços de lágrimas mornas. Alongam-se os sinais e os pensamentos perdidos. Sinais fugidios das mentes confusas das pessoas aflitas. Lá fora, esses sinais se confundem e se misturam aos murmúrios das ondas do mar e ao farfalhar da folhas varridas pela ventania incessante...
Mais próximo, seu coração flácido reclama do fardo do corpo cada vez mais debilitado. Os seus músculos cansados se negam a acompanhar o ritmo que a vida lhe impõe. Suas batidas são quase imperceptíveis e a respiração ofegante pelo único esforço de se manter vivo.
No rosto, o sorriso, antes cativante, timidamente se retrai na moldura da boca desdentada. Ele já não expressa alegria, mas reflete uma tristeza realçada pela melancolia de saudades constantes.
O barulho exterior é abafado pelo cerume que se acumula e se solidifica no labirinto auditivo inibindo suas funções sensoriais. As informações que chegam ao cérebro são confusas e dispersas.
As rugas sulcam profundamente a pele macerada enquanto as mãos e os pés estão encobertos por calos protuberantes. As articulações inflamadas pelo desgaste dos esforços repetitivos e, principalmente, pela ingestão de alimentos inadequados, contribuíram para o agravamento desse quadro.
A solidão é o refúgio da alma. O descaso e a indiferença tolhem os últimos fios de esperança. Logo, o sono vai amadurecendo o corpo para a nova realidade que se avizinha. Realidade que a todos está resguardada indiferente de cor, religião e de bens acumulados..
Os pensamentos fogem da realidade e se escondem no labirinto da mente senil. Vez em quando escapam e retornam assustados pelos rufar dos tambores da guerra, pelos vírus da violência que grassa à sociedade.
A humanidade se esqueceu dos valores morais, do respeito ao próximo e dos laços familiares. Agora marcha inexoravelmente para o abismo da destruição respaldada pela indiferença. A insensatez sobrepõe à política e os conflitos são cada vez mais constantes. A destruição da espécie humana é iminente e o caos se avizinha.
Enquanto isso, o medo se refugia dentro dele e o abraça no leito de lençóis encardidos. Resignadamente deixa que as sombras lhe envolvam os derradeiros raios de luz. Fica a impressão que procura desenhar o último sorriso e esconder uma gota de lágrima repleta de saudades. Vê-se mergulhar no escuro de uma dimensão infinita. Insignificante, entrega-se, e deixa apenas de existir...
Poderia ser assim...
Once upon a time...
Há quase um ano atrás descobrira um lugar incrível, diferente, que se fazia atraente. Guria teimosa sempre a procura de achar sabe-se lá o que, decidiu averiguar.
Mas tímida que era meio desconfiada, sondava o terreno devagar, na verdade não sabia por onde começar. Seguia caminhando olhando a paisagem no indizível universo seus olhos se compraziam satisfeitos com tudo que viam. Era infinita a obra. Criava-se mais a cada dia,universos comuns e particulares.
Num certo dia de chuva bateu numa porta que escolheu: casa garbosa, enfeitada, pela janela entreaberta podia sentir um enigmático aroma. Parecia ser de Saudade. Bateu novamente, uma moça vistosa a acolheu, sorriu com ar de sincera e respondeu a curiosa visitante, parece que desta feita teria o caminho. Enfim.
Seguiu e marcou caminho com pequenos versos para não se perder. Acabara de achar a tal Fábrica de Encantos,lá onde os operários construíam tudo aquilo que estava a admirar.Chamou.Apertou a campainha.Veio alguém.Exclamou:
-Gostaria de falar com a Diretora,
-Sim, sou eu, em que posso ajudar?
Era uma jovem e charmosa moça, meio agitada, atrás dela um monte cachorrinhos faziam festa, parecia que pelo traje acabara de chegar de uma partida de tênis, suava, mesmo assim atendeu a curiosa.
-Eu quero entrar para essa equipe de operários, se puder o que devo fazer?
- A ofegante dama falou:
- Traga os papéis, que falem sobre tal assunto e na hora tal do dia tal blá blá blá...
Imagino que imaginam o final dessa prosa. Naquele mundo letrado, de construtores de palavras e fantasias quem ingressa se apaixona pela lida, pelo servir em letras, pela labuta, ofício de criar, por no papel sonhos e idéias.
De lá raramente se retorna.
Raramente.
Sabe um vício bom?
Pois é.
Foi assim.
Ah, lembram dos versos para marcar o caminho? Juntaram-se, viraram uma bela poesia e se integraram ao Encantado Reino das Letras!
Ah, a primeira peça feita pela moça curiosa e exposta na galeria das Obras foi em junho de 2009 já vai fazer aniversário, mas a Fábrica mesmo começou a funcionar em Maio de 2009, portanto está de PARABÉNS!