A Antiguidade sacralizou-te, puta sagrada,
mas, ao tempo, o humano inumano ofendeu-te...
O homem-poder enfeita teu colo com jóias caras e raras,
para depois desonrar-te aos seus pés.
O camponês alivia em ti seu esperma de lavoura,
depois, vira para o canto e adormece, extenuado.
O bronco abusado supre sua fome nos teus buracos todos, doma-te no chão
e, teu coração dilacera, com o bastão da ignomínia.
Os meninos... Ah! Esses contemplam-te os bicos dos seios
e masturbam-se sem tocar-te, espantados com o volume da tua bunda.
Mulheres execram tua imagem ao cancro e inseguras
arremedam-te aos seus maridos; à falha... odeiam-te mais.
Um delirante Van Gogh envia-te a própria orelha cortada,
num desejo insano de, talvez, eternizar-te na culpa.
A poesia de Drummond consome-te, arreganha teus dentes
e chama-te onisciente de puta quente.
Na reflexão de Simone de Beauvoir ergues-te tal um bode expiatório,
epítome de todos os esboços da escravidão femínea.
Em Jorge Amado és prostíbulo de amor, repouso e prazer,
mas, nesse enleio, despoja-te, o poeta, do corpo e da humanidade.
Christine Delphy desvenda nos teus dotes um agenciamento social,
apropriado e usado pelo grupo dos machos de plantão.
O imaginário coletivo justifica-te, sempre, como necessária relação social
e ao refrão da utilidade mercantil ultrapassas tempo e espaço...
Pela história, percebo – e nem sou cristã –
somente Jesus perdoa-te em amor,
mas, o mundo crucifica-te os sorrisos,
ignora-te o passado,
não se importa com o teu presente
e saboreia, antecipadamentre,
a morte do teu futuro.
Tão múltiplos sentidos carregas ao teu manto, sagrada puta!
Tão múltiplos, que me agito e pergunto: quem és?
Procuro-te no bíblico ópio da multidão embusteira,
para encontrar-te na banalização do estupro!
Busco pela aventureira difamada
e encontro-te na violência agudizada
da alma que só precisa amar em paz!
Mas, por tudo e por onde esquadrinhe,
respostas aos desatinos cometidos
jamais encontrarei nos papiros de outrora,
nem no registro de cada tela ou poema,
nem nas canções que atravessam os destinos,
nem em todos os sonhos empunhados ao prazer
e muito menos entre os princípios que dignificam o ser humano...
As querelas entre ações e reações,
entre perguntas e respostas,
que contradizem o meu pensar...
a diferença de tudo, parece encontrar-se
no SER e no SENTIR do próprio Homem!
Aí, nesse recanto impérvio - essência da criação humana -
onde nem eu ou nenhum outro poeta conseguiu jamais adentrar...
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Cabo Frio, 30 de abril de 2010
Comentários
"Somente Jesus perdoa-te em amor, mas o mundo crucifica-te os sorrisos" pura essência. beijo
Sílvia, a carne sobre a transcendência, o desumano no humano, a crueldade esfolam a nossa história, tão recente, de humanidade. Belo poema!!!
Épico ! Subjetivamente lírico e envolvente; didatico, contundente. BRAVO !
Nem sagrada, nem sacrílega. Apenas gente. Bonita noção de existência, Sílvia.
Versos verdadeiros que alertam para uma cultura patriarcal. Muito Bom e um alerta. Bjs,
Nunca mas nunca mesmo considero um poema forte
só porque chama os "bois pelos cornos" expressão popular aqui
em Portugal, que significa que somos claros como água sem quaisquer
tabus, porque esses... regra geral esta envernizados de hipocrisia pura.
Isto tudo para te dizer Silvia que gostei muito da forma como trabalhaste
este poema. Falar-se da mulher que de uma ou de outra forma é escravizada
muitas vezes sem culpa formada. Um beijo, poeta!
Vóny Ferreira
Linhas que buscam respostas à uma essência que existe dentro de cada uma de nós, mulheres. Algumas resguardam-se e se entregam por amor ao seu homem. Outras, mais ousadas, não controlam seu poder femínio que unido à precisão financeira, acabam por comercializar-se.
Um tema bastante delicado, mas que soubeste abordar de forma clara e muito bem escrito. O que não poderia ser diferente.
Parabéns.
Bjsssssssss
Parabéns, Sílvia! Bjss.